Vou iniciar com um caso bem feliz porque a felicidade contamina e por senti-la, permaneci por 25 anos na função de professora!
Juju era uma menina muito tímida e tranquila. Chegou em uma turma de progressão para concretizar a alfabetização. Como a maioria, conhecia o alfabeto e lia algumas poucas palavras. Não ousava tentar escrever uma frase ou lê-la. Estava, como quase todos, na fase alfabética.
Demorei um pouco a conquistar sua confiança para que conseguisse vencer a timidez. A coloquei bem pertinho de mim e Juju, aos poucos, transformou-se. Apesar das inúmeras dificuldades que tinha ( sempre estava com rendimento menor que o restante da turma ), resolveu acreditar em sua capacidade e tentar. Mas não era simplesmente tentar... Juju fazia tudo novamente inúmeras vezes. Mostrava-me o caderno, lia o texto comigo, eu perguntava sobre as palavras com grafia incorreta, ela as pronunciava e, aos poucos, corrigia seus erros com as novas descobertas.
Aquele final de ano me foi doloroso! Como reter Juju? Ela conquistou muitas etapas!!! Após a certeza de que acompanharia a turma, resolvi que Juju nos acompanharia. Não porque eu decidi, mas porque Juju passou a acreditar em seu potencial e seu crescimento era visível. Conversamos e nos comprometemos a dar o melhor de nós.
Ei! Nem contei sobre a família de Juju. Pois é, Juju morava em uma das comunidades da região com a mãe e com o irmão mais novo. Sua mãe era presente nas reuniões, conversava com Juju para que se esforçasse sempre. Era diarista e analfabeta, sequer escrevia o nome. Envergonhava-se durante as reuniões quando eu passava a ata, já que não sabia assinar e passei a evitar este constrangimento. Em uma das reuniões, feliz, mostrou o desejo de assinar o documento dizendo que Juju a estava ensinando a assinar o nome e que ela, apesar da letra feia, já sabia! A emoção tomou conta de mim e de muitas mães presentes. Elas ganharam tanta confiança que não se importavam com os outros, mas com suas conquistas.
No ano seguinte Juju não me decepcionou. Perdeu bastante o “medo de errar” e sempre queria ler. Levava livros de nossa caixa de empréstimo para casa e sua escrita melhorava consideravelmente.
Logo no início do ano, veio minha emoção maior. Dificilmente Juju faltava aula e subi com a turma sem ela. Alguns minutos depois, a mesma chegou com a mãe que justificou-me a razão da ausência da filha naquele exato dia. Ela havia conseguido uma faxina para fazer em Copacabana. A diária era melhor mas ela não sabia como chegar lá já que tinha apenas o endereço. Juju precisava ir com ela, e exatamente com suas palavras: _ Agora ela já sabe e vai ler o nome da rua para mim porque eu não sei. É só hoje, depois que ela me levar lá, eu consigo chegar novamente porque eu guardo o caminho.
DEUS! Sem comentários... eu precisaria explicar mais alguma coisa sobre a real função da leitura para estas pessoas?
Exercendo minha função com amor e dedicação, recebi em troca muito amor também, apesar das dificuldades eu sempre disse que nós, educadores nunca temos um dia igual o outro. Cada dia é uma incógnita e as surpresas são constantes. Todas deveriam ser como esta, que me faz chorar a cada vez que relato... e chorar de felicidade é bom demais!!!
Hoje Juju está concluindo o segundo grau sem repetir um ano sequer. Fez um curso de prótese dentária, conciliando-o com os estudos e ficou empregada no local em que fez estágio, onde já trabalha há alguns anos. Ajuda financeiramente sua mãe e pretende ingressar na faculdade.
Não tenho comentários a tecer. Juju sempre teve o apoio da família. Sua mãe dava inteira importância à escola e, com certeza, hoje está totalmente recompensada.
“A
competência técnico científica e o rigor de que o professor não deve abrir mão
do desenvolvimento do seu trabalho, não são incompatíveis com a amorosidade
necessária às relações educativas. Essa postura ajuda a construir o ambiente
favorável à produção do conhecimento onde o medo do professor e o mito que se
cria em torno da sua pessoa vão sendo desvalados. É preciso aprender a ser
coerente. De nada adianta o discurso competente se a ação pedagógica é
impermeável à mudanças.”
Paulo
Freire
Algumas pessoas que conheço em meu ambiente de trabalho precisam muito aprender algumas dessas lições. Pena que a mesma experiência que ensina a alguns, endurece o coração de outros, transformando-os em zumbi contadores do tempo que falta para a aposentadoria.
ResponderExcluirBelíssimo texto!