terça-feira, 5 de junho de 2012

Sonho ou Utopia???

Confesso a grande dificuldade em escrever e optar pela publicação deste relato. Minha escolha deve-se ao caso estar sendo muito citado pela mídia nos últimos dias, portanto, apesar de ter acontecido praticamente a uma década, será prontamente lembrado e, infelizmente, continua atual em determinados espaços físicos.

O caso Tim Lopes... alguém esqueceu?

Pois é. Tudo o que eu sabia era o que a mídia noticiava. Na época trabalhava pelo segundo ano com uma turma de adolescentes, que por diferenciados motivos, encontravam-se em defasagem de série. Esta turma tornou-se muito unida, participativa e colaboradora com as necessidades que tínhamos na escola. 
Com eles aprendi coisas que jamais poderia imaginar existir. A  confiança adquirida em mim, além do avanço na aprendizagem, possibilitou que me trouxessem dúvidas de caráter pessoal, possibilitando-me maior auxílio bem além dos muros da escola. Muitas experiências passadas com eles, certamente serão recontadas aqui em oportunidades diversas.
Antes do breve e estarrecedor relato, esclareço que todos os nomes citados neste blog são fantasiosos, em contraste com a dura realidade dos fatos.

Pirilo era um menino alto e magro, falante e bastante esperto. Rapidamente dominou as quatro operações e avançava na escrita. Encontrava-se alfabético e iniciava a construção de textos. Contava de suas noites nos bailes, falava sobre drogas e que sempre era convidado a vendê-las, mas ele não queria aquilo.

Em determinado período, quando toda a imprensa estava voltada para o sumiço do jornalista Tim Lopes, falava-se de cemitérios clandestinos e na utilização do micro-ondas. Pois é, uma tarde, após o almoço, Pirilo, com orgulho, contou-me que foi chamado para ajudar a "desenterrar" corpos e prepará-los para o colocá-los no que chamavam de micro-ondas, fato que não permitiria que a polícia os encontrasse. Fiquei estarrecida e incrédula com aquilo que Pirilo me relatava. A cada palavra, Pirilo detalhava que desenterravam os corpos e com o uso de uma foice, cortavam-os nas juntas, retirando membros superiores e inferiores e, por último, a cabeça. Assim, totalmente esquartejados, os corpos cabiam dentro de pneus e eram incinerados. Senti verdadeiro pavor e o medo tomou conta de mim. 

Por que eu estava ouvindo aquilo? Doloroso saber desta situação e se sentir inerte. O máximo que pude foi pedir para não mais falar sobre isto na escola e para não mais acompanhar estas pessoas porque ele, na realidade, estava se envolvendo por estar junto. 

Logo o ano terminou e Pirilo foi para outra escola. Algumas vezes passou na escola para me visitar e confesso que eu sentia medo devido seu possível envolvimento. Hoje não sei como ele se encontra e como ficou definida sua vida dez anos depois. As marcas e lembranças ficam em nós e levamos para toda a vida, a única certeza que tenho é que fiz todo o possível... e que o impossível eu também tentei.

É um fato para que as autoridades e para que todos os envolvidos na transformação desta sociedade pensem e repensem. Analisando-o, percebemos claramente o poder que a liderança negativa exerce sobre nossas crianças e adolescentes. 

Pirilo, na verdade, sentia-se importante "colaborando" com aquilo. Estava entre pessoas que exerciam o poder na comunidade, pessoas que independente da forma, estavam sempre em evidência e ditavam regras. Jovens que cercavam-se de meninas, exibiam  luxúria com seus cordões de ouro e eram respeitados com o porte de armas potentes. 

Ele foi mais uma vítima do descaso que por anos prevalece nas áreas menos favorecidas. Pirilo, como tantos outros jovens, é filho das ONGS e de projetos mirabolantes e enriquecedores. Fruto do descaso social de uma minoria privilegiada. Como tantos, foi refém de práticas sociais iniciadas para estar na mídia, sem continuidade, sem material humano suficiente e adequado, sem a real preocupação em transformar a realidade que não é única de Pirilo, mas de toda uma sociedade estarrecida e em pânico com a violência. 

É hora do CHEGA para estes projetos com objetivos diferenciados, a hora é de tomada de uma posição real para transformação! E para transformar é preciso que sejam tratados como iguais... é hora do AMOR pelo que se faz!!! 

FAÇAMOS DO DISCURSO NOSSA PRÁTICA DIÁRIA!!!


Se, na verdade, não estou no mundo para simplesmente a ele me adaptar, mas para transformá-lo; se não é possível mudá-lo sem um certo sonho ou projeto de mundo, devo usar toda possibilidade que tenha para não apenas falar de minha utopia, mas participar de práticas com ela coerentes.”
Paulo Freire

Um comentário:

  1. Seu blog está lindo, querida! Já estou seguindo! Agora será minha hora de retribuir o seu carinho com o meu blog! Rsrs... Beijoca!

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