segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Professora... palavra e prática!



Visitei a Cidade do Rio de Janeiro... sim, visitei. Abandonei esta violenta cidade no mês de abril do corrente ano. Apesar de lugares lindos, não é maravilhosa. Estou em uma cidade muito mais tranquila, apesar de ainda estar no Estado do Rio de Janeiro. Detalharei esta aventura futuramente, contando tudo o que descobri sobre a área de educação na localidade.



Bem, minha visita teve como principal intenção comprar remédio de pressão ( não disponível em minha nova cidade ), visitar meu filho e, logicamente, rever minhas amigas; poucas, únicas e sempre presentes em minha vida, fato que a distância não atrapalha.
Em especial revi uma amiga de magistério que há muito tempo não encontrava. Impossível vê-la sem falar de escola, educação, projetos, amores. Sim, nós, verdadeiros profissionais da educação, continuamos acreditando em transformação e respiramos sala de aula, sonhos, dedicação. 

Ela me fez retornar ao tempo! Em turma, ela constantemente me dizia e,  confesso que me enchia de orgulho:

_Quando crescer quero ser igual a você!

Nossa diferença de idade é pequena, mas ela sempre falou que minha história de vida levou-me a um amadurecimento precoce e que um dia queria ter a dedicação e o envolvimento que eu tinha com todas aquelas crianças e adolescentes. E imaginem... ela repetiu exatamente esta frase e perguntou se eu lembrava que ela me falava isto!


Apaixonou-se, após algum tempo na função, pelo prazer em oferecer o melhor de si por eles e realizar-se profissionalmente por esta razão. Encantou-se com o trabalho com projetos pedagógicos multidisciplinares, empenhou-se em estudá-los, planejá-los e ainda mais em executá-los. Passou a planejar comigo, em busca incansável na organização dos mesmos, respeitando a diversidade de alunos. Nossas mesas ficavam cheias de livros... Multieducação, Parâmetros Curriculares Nacionais, Ofício de Professor, Revista Nova Escola e tantos outros. Envolveu-se e conseguiu. Meus alunos eram passados para ela quando eu não continuava com a turma e nossa troca era constante.

Em uma das feiras culturais que aconteciam anualmente na escola, fizemos exposição de nossos trabalhos com as turmas. Projeto único, com séries diferentes e variadas atividades. Um lado da quadra ( local escolhido para exposição ) foi pequeno para nossas realizações! E, logicamente, com apresentação final de uma dança!!! A felicidade contagiava o coração de nossas crianças e adolescentes que amavam participar de tudo!!!

Incrível e também relembramos que os alunos ficavam 9 horas em nossa companhia... não enjoavam de nossa voz, do nosso jeito, de nossas exigências, cobranças e de nosso amor! Nos vestíamos de festa para recebê-los porque eles mereciam o melhor e assim sentiam-se! Eles foram e são os melhores... aprenderam a valorizar-se, a respeitar para ser respeitado...cumprir deveres e exigir direitos... simplesmente maravilhosos!

Tenho orgulho por ter partilhado com alguém que percebeu a necessidade de mudança para fazer a diferença dentro de uma Unidade Escolar. Comprometeu-se inteiramente, passando a ter uma visão bem mais ampla, inovando e valorizando alunos, transformando-os em indivíduos críticos e participantes.

Durante meu período licenciada ela dedicou-se  a estudos direcionados à alfabetização com um grupo que, voluntariamente, reunia-se fins de semana para aperfeiçoamento e troca.


Hoje, como eu, ela está fora da turma. Com mais sorte, está readaptada e continua com o contato na área educacional. Eu, infelizmente, estou aposentada por invalidez e sinto-me um nada ante a Secretaria Municipal de Educação que me tem como mera estatística de aposentados inválidos, sendo excluída até mesmo da escola que me confiava sempre turmas mais difíceis.

Ela, vítima de uma doença que a levou a várias cirurgias, que exige exames constantes. Eu, vítima da violência urbana, do desejo de proteger, de querer ser sempre forte; acometida de depressão com muita ansiedade.

O que ainda temos em comum? O amor ao trabalho educacional, ao nosso trabalho. Ela foi forte, pediu e implorou aos médicos da perícia para deixá-la retornar readaptada. Eu fui mais fraca e deixei que concluíssem, após junta médica não comunicada e pergunta de uma das peritas:

_E se te mandarem para o Alemão?

Simplesmente respondi:

_Eu não vou.

Pois é, um risco que o professor dedicado corre. 

Estou aposentada por invalidez, ganhando salário proporcional aos anos trabalhados porque até o presente momento não consideraram que entrei na PCRJ em 1986, após exames médicos diversos que me tornaram apta. 
Não consideraram função, localização de trabalho e somatório de fatos que me levaram a adoecer, apesar da pergunta da perita que deixa bem claro a ligação da doença com o trabalho e localização do mesmo. 

Em uma matrícula eu já tinha tempo suficiente para aposentadoria ( 25 anos ), mas não tinha a idade mínima exigida. 
Hoje sou um joguete e um incômodo para o Instituto Previ rio, para a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. É como se, de repente, você se transformasse em um peixe fora d´água. Perde-se o valor e a dignidade com a dura redução do piso salarial; consequentemente, dos triênios; até mesmo o bônus cultura... para que aposentado precisa dele? 

A constante pergunta que nos fazemos é:

_De que valeu a pena sua vida profissional? Você, sempre independente e lutadora, agora dependente de terceiros para sobreviver... na verdade, o que valeu???


É isto... encontrar-me com ela me trouxe felicidade, ela nunca perde aquele sorriso de criança, mesmo com todas as dificuldades e dúvidas que a acompanham.
A única coisa que desejo e falo para ela agora, apesar de ter plena certeza de que fizemos a diferença na área educacional, é:

_ Não, nunca seja como eu fui.

Perdi muito do meu mundo quando me desvalorizaram quanto profissional. Foram 25 anos de minha vida, sendo que 20 anos, dentro de uma escola por 9 horas. Foram noites de sono e muitos fins de semana dedicados ao estudo, reuniões, seleção de material. Total envolvimento transformando sempre o ambiente de sala de aula para que a aprendizagem fosse construída de forma prazerosa e que alunos fossem sempre especiais. Eu gostaria de falar que tudo valeu a pena... mas não valeu.

O mínimo de reconhecimento que se espera é a preservação de dignidade através de proventos. Lamentavelmente, quando você mais precisa, já não serve à nossa atual sociedade.

Meu consolo? Recebi pedido para parar de escrever neste meu espaço, porque seria perseguida... mas não pretendo calar. Ensinei durante anos a alunos que devem acreditar e transformar a dura realidade... agora é a minha vez. Enquanto puder estarei lutando para que a justiça seja feita, independente de quem vai ler ou se será lido. Muitos fatos ainda estarão aqui registrados. Mesmo que seja apenas desabafo, já valeu muito!

Fico indignada porque conheço a realidade de escolas e de muitos profissionais. Reconheço que o dom da palavra leva péssimos profissionais a cargos de confiança. Que a tal da meritocracia, se vai ser utilizada como avaliação, precisa ser revista para que haja justiça. Ela não valoriza o professor, premia também a incompetência e abre problemas mais sérios mascarando uma realidade.

É isto, pronto, falei!!!

Você é muito mais, amiga. É vitoriosa! 

Continuo aqui, mesmo distante, torcendo por seu sucesso independente da função que ocupe dentro da Unidade Escolar. Você tem a consciência que o servidor público tem como dever atender satisfatoriamente ao público que assiste e nunca condicionamos nosso trabalho a prêmios, mas na reivindicação de salário e condições dignas para exercê-lo. 


Você sempre será uma excelente profissional!

Amei rever você, te amo muiiiiiitooo!!!



"...Uma das tarefas do educador ou educadora progressista, através da análise política, séria e correta, é desvelar as possibilidades, não importam os obstáculos, para a esperança, sem a qual pouco podemos fazer porque dificilmente lutamos e quando lutamos, enquanto desesperançados ou desesperados, a nossa é uma luta suicida, é um corpo-a-corpo puramente vingativo. O que há, porém, de castigo, de pena, de correção, de punição na luta que fazemos movidos pela esperança, pelo fundamento ético-histórico de seu acerto, faz parte da natureza pedagógica do processo político de que a luta é expressão. Não será equitativo que as injustiças, os abusos, as extorsões, os ganhos ilícitos, os tráficos de influência, o uso do cargo para a satisfação de interesses pessoais, que nada disso, por causa de que, com justa ira, lutamos agora no Brasil, não seja corrigido, como não será carreto que todas e todos os que forem julgados culpados não sejam severamente, mas dentro da lei, punidos..."
                                                                                           Pedagogia da Esperança
                                                                                                        Paulo Freire

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Ele queria ser palhaço, era criança e gostava de brincar

As turmas de aceleração tinham um perfil diferenciado. Eram adolescentes com defasagem idade/série por diversos motivos: uns nunca haviam estudado e  outros haviam evadido da escola devido repetências constantes.
 Todos tinham em comum a baixa autoestima, era visível a falta de afeto, de atenção dispensada a eles e mostravam-se bastante agressivos com coisas mínimas, parecendo estar sempre em atitude de defesa. A ausência da família no acompanhamento escolar também era um fato relevante da defasagem e do comportamento agitado dos alunos.

Duda era um dos alunos desta turma e foi selecionado a partir de uma rápida avaliação de leitura e escrita através de uma adaptação da fábula “A Cigarra e a Formiga”. O simples fato de ser escolhido para realizar a “prova” que os permitiria fazer parte da turma já foi motivo de alegria para eles. Necessitavam estar iniciados na alfabetização e a participação na turma os permitiria, conforme rendimento, a eliminação de um ou dois anos, reduzindo a defasagem escolar. Nosso horário era integral, 7:30 h até 16:30 h e eu era a única professora deles. Tínhamos um longo trajeto já que o “Projeto de Aceleração de Aprendizagem” era composto de seis livros que abordavam todas as disciplinas e era dividido em projetos com diversas culminâncias.

Como é visível, ficávamos juntos nove horas por dia e todas as refeições também eram feitas comigo: café da manhã, almoço, lanche e jantar. A única hora que ficavam sem minha presença era durante as aulas de Educação Física.
Considero impossível ficar tanto tempo junto e não aprender a amá-los, conhecer suas particularidades, ficar triste com suas aflições e feliz com suas conquistas.

Duda tinha 12 anos, era um menino muito carinhoso, brincalhão demais, com facilidade de aprendizagem, participativo, bastante agitado e, ocasionalmente, muito agressivo.

Durante o ano letivo todos se tornaram muito amigos. Orgulhavam-se de sua sala, da disciplina, do exemplo que sempre queriam dar aos alunos menores. Cumpridores de seus deveres, passaram a reivindicar seus direitos até mesmo na direção da Unidade Escolar. Colaboravam enfeitando a escola para as festas e faziam questão de ir à escola em dia de Conselho de Classe ou de Centro de Estudos para ajudar na arrumação e até mesmo na limpeza. É bem verdade que também havia o interesse em almoçar antes de ir embora!!!

Para o final do ano letivo preparamos a culminância de um dos projetos: “Circo” que seria apresentado para alunos da Educação Infantil.
Alguns números de Circo seriam apresentados na quadra e Duda queria ser o palhaço. Nos divertíamos muito durante os ensaios, ele era muito engraçado!

As meninas ocuparam-se em fazer flores de crepom para enfeitar pirulitos que seriam distribuídos durante a apresentação. Balas e sacos de pipoca também receberam decorações especiais. Convites foram elaborados por eles e distribuídos. Roupas de kami foram confeccionadas por nós, bem como a lona improvisada e um painel de fundo.

Quando tudo estava pronto ficamos tristes com a notícia de que por um esquecimento da coordenadora, a Educação Infantil não estaria presente. Ela havia marcado a formatura deles para o mesmo dia e em horário diferente. Em cima da hora, convidamos as outras turmas de séries iniciais.

A apresentação foi um sucesso! Todos trabalharam e Duda, nosso palhaço foi um show!!!
Duda, além de engraçado tinha facilidade de aprendizagem e tornara-se um dos melhores alunos. Já lia com entonação, interpretava, dominava as quatro operações, adorava desafios matemáticos e estava pronto para novos caminhos e conhecimentos.

Duda, como outros, foi para outra escola onde deveria, sozinho, vencer as novas etapas.
Inicialmente passava na escola para nos visitar depois desapareceu. Mais de um ano depois tive notícias dele através de colegas: havia deixado a escola, estava trabalhando junto ao tráfico na comunidade em que residia. 

Esta notícia deixa o professor muito triste. Desejamos sempre o melhor para eles e nossa vitória, certamente é vê-los vencer.

Pouco tempo depois recebi a visita de Duda. Ele veio pedir ajuda. Queria deixar esta vida. Era fogueteiro no tráfico para sustentar seu vício. Não queria mais isso, ele queria ser palhaço e implorava nossa colaboração.

Uma professora da escola entrou em contato na hora com alguém da escola de circo que nos forneceu o e-mail da direção para que eu enviasse a história de Duda para eles e disse que poderíamos levá-lo para conhecer. Enviei o e-mail e a professora que havia ajudado prontificou-se a agendar a visita e levá-lo até lá. Ficamos muito felizes quando a direção da ESCOLA DE CIRCO, gentilmente nos enviou uma carta com todas as explicações e datas para inscrição. Independente do período, ele iria visitar a escola.

Ficamos a espera de Duda para marcarmos com ele o dia da visita.
Uma semana, duas, passaram-se semanas e Duda não retornou. A chance de ajudá-lo fugiu de nossas mãos.

Um dia, da varanda de meu apartamento ouvi uma música muito alta vinda de uma rádio comunitária... o trecho que o trouxe na hora ao meu pensamento foi “...Duda era uma criança, ele queria ser palhaço, ele só queria brincar...” Pensei logo em ser uma música para ele, o retratava. Será que ele havia feito a música?

Passaram-se uns quinze dias e uma outra ex-aluna da turma veio me ver com a notícia... Duda havia morrido. Durante uma incursão da polícia à comunidade ele fora pego soltando os fogos de aviso para traficantes e, baleado, morreu no local.

Ali terminou o espetáculo, os sonhos e pesadelos.

Infelizmente, dia a dia a Educação sofre perdas irreparáveis. O educador, ser solitário, exerce variadas funções: professor, psicólogo, assistente social, psiquiatra, mãe, pai, família. Acumula todas as dificuldades da profissão e o emocional em que é envolvido, não é valorizado pela sociedade e, geralmente, é responsabilizado por todos os fracassos.

A cura nunca se dará somente com projetos educacionais. Há a necessidade de projetos sociais, de reconhecimento de um povo ainda mais massacrado que se concentra nas favelas. De oportunidades e salários dignos para todos. De educação que resgate valores. De profissionais envolvidos e engajados em transformação.



“A pedagogia tem de ser forjada com ele (o oprimido) e não para ele, enquanto homens ou povos, na luta incessante de recuperação de sua humanidade. Pedagogia que faça da opressão e de suas causas objeto da reflexão dos oprimidos, de que resultará o seu engajamento necessário na luta por sua libertação, em que esta pedagogia se fará e refará."
(FREIRE, Paulo. Pedadgogia do Oprimido, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.)




quinta-feira, 7 de junho de 2012

Invasão, insegurança e desvalorização

Os últimos cinco anos foram de grandes dificuldades em diversas escolas da nossa região. Arrombamentos, furtos e atos de vandalismo eram constantes durante os fins de semana ou feriados. A história se repetia sempre e deixou de ser novidade. Geralmente, ao chegarmos na escola uma das partes havia sido invadida.
Algumas vezes a cozinha; local onde panelas e tampas eram amassadas, utensílios e parte da merenda furtada.
Outras vezes eram salas de aula, quando quebravam portas ou maçanetas, arrombavam nossos armários levando o material que interessava, destruíam livros e cadernos, jogavam tinta em todo nosso material exposto e desmotivavam a continuidade com elaboração de projetos contidos neles, já que os mesmos demonstravam as etapas construídas e vencidas.
As grades, aos poucos ocupavam o espaço para garantir um pouco de segurança ao material. Nenhum espaço deixou de sofrer a ação de furtos.
Secretaria, direção, copa, almoxarifado.  
Na sala de leitura foi uma total destruição de nosso acervo. Jogaram os livros no chão, jogaram tinta, evacuaram sobre eles. Esta sala, localizada na parte externa, precisou ser toda gradeada. Os recursos que recebíamos eram resumidos em grades. Não podíamos sonhar com uma melhora física: ajeitar sanitários, colocar bebedouros dignos ou comprar materiais necessários. Tudo era investido em grade e mão de obra e mesmo assim, algumas vezes as serravam. Sinceramente, não sei o exato número de televisores, ventiladores e outros eletrônicos que foram furtados. 
Houve um ano, que em três meses, já havíamos sofrido cinco arrombamentos com furto e destruição de parte do nosso material.

A intenção deste post é somente para que percebam que durante cinco anos consecutivos sofremos desta forma. 
Imaginem a criança e o professor que chegam na escola e deparam com todo seu trabalho destruído...qual é a real motivação para retomar? Como afirmei, não foi um caso isolado; foram inúmeros. 

Que valorização foi dada pelos órgãos competentes à Instituição Escola? E ao professor?
Não perdíamos meros materiais, sofríamos um total descaso como profissionais quando o fruto de nosso trabalho era totalmente desvalorizado!

Tirem suas próprias conclusões. Assim caminhamos: Escola, Professor e Aluno em busca de transformações!

Mais uma vez, cito Paulo Freire, que em seu livro “Pedagogia do Oprimido”, mostra além das relações que se dão em sala de aula, mas toda a opressão social e a falta de democracia.



“(...) Assim como o opressor, para oprimir, precisa de uma teoria da ação opressora, os oprimidos, para libertar-se, necessitam igualmente de uma teoria de sua ação. O opressor elabora a teoria de sua ação, necessariamente sem o povo, pois que é contra ele. O povo, por sua vez, enquanto esmagado e oprimido, introjetando o opressor, não pode, sozinho, constituir a teoria de sua ação libertadora. Somente no encontro com a liderança revolucionária, na comunhão de ambos, na práxis de ambos, é que esta teoria se faz e refaz.”
                                                                                                           
                                                                                                                   Paulo Freire 


                                                 

terça-feira, 5 de junho de 2012

Sonho ou Utopia???

Confesso a grande dificuldade em escrever e optar pela publicação deste relato. Minha escolha deve-se ao caso estar sendo muito citado pela mídia nos últimos dias, portanto, apesar de ter acontecido praticamente a uma década, será prontamente lembrado e, infelizmente, continua atual em determinados espaços físicos.

O caso Tim Lopes... alguém esqueceu?

Pois é. Tudo o que eu sabia era o que a mídia noticiava. Na época trabalhava pelo segundo ano com uma turma de adolescentes, que por diferenciados motivos, encontravam-se em defasagem de série. Esta turma tornou-se muito unida, participativa e colaboradora com as necessidades que tínhamos na escola. 
Com eles aprendi coisas que jamais poderia imaginar existir. A  confiança adquirida em mim, além do avanço na aprendizagem, possibilitou que me trouxessem dúvidas de caráter pessoal, possibilitando-me maior auxílio bem além dos muros da escola. Muitas experiências passadas com eles, certamente serão recontadas aqui em oportunidades diversas.
Antes do breve e estarrecedor relato, esclareço que todos os nomes citados neste blog são fantasiosos, em contraste com a dura realidade dos fatos.

Pirilo era um menino alto e magro, falante e bastante esperto. Rapidamente dominou as quatro operações e avançava na escrita. Encontrava-se alfabético e iniciava a construção de textos. Contava de suas noites nos bailes, falava sobre drogas e que sempre era convidado a vendê-las, mas ele não queria aquilo.

Em determinado período, quando toda a imprensa estava voltada para o sumiço do jornalista Tim Lopes, falava-se de cemitérios clandestinos e na utilização do micro-ondas. Pois é, uma tarde, após o almoço, Pirilo, com orgulho, contou-me que foi chamado para ajudar a "desenterrar" corpos e prepará-los para o colocá-los no que chamavam de micro-ondas, fato que não permitiria que a polícia os encontrasse. Fiquei estarrecida e incrédula com aquilo que Pirilo me relatava. A cada palavra, Pirilo detalhava que desenterravam os corpos e com o uso de uma foice, cortavam-os nas juntas, retirando membros superiores e inferiores e, por último, a cabeça. Assim, totalmente esquartejados, os corpos cabiam dentro de pneus e eram incinerados. Senti verdadeiro pavor e o medo tomou conta de mim. 

Por que eu estava ouvindo aquilo? Doloroso saber desta situação e se sentir inerte. O máximo que pude foi pedir para não mais falar sobre isto na escola e para não mais acompanhar estas pessoas porque ele, na realidade, estava se envolvendo por estar junto. 

Logo o ano terminou e Pirilo foi para outra escola. Algumas vezes passou na escola para me visitar e confesso que eu sentia medo devido seu possível envolvimento. Hoje não sei como ele se encontra e como ficou definida sua vida dez anos depois. As marcas e lembranças ficam em nós e levamos para toda a vida, a única certeza que tenho é que fiz todo o possível... e que o impossível eu também tentei.

É um fato para que as autoridades e para que todos os envolvidos na transformação desta sociedade pensem e repensem. Analisando-o, percebemos claramente o poder que a liderança negativa exerce sobre nossas crianças e adolescentes. 

Pirilo, na verdade, sentia-se importante "colaborando" com aquilo. Estava entre pessoas que exerciam o poder na comunidade, pessoas que independente da forma, estavam sempre em evidência e ditavam regras. Jovens que cercavam-se de meninas, exibiam  luxúria com seus cordões de ouro e eram respeitados com o porte de armas potentes. 

Ele foi mais uma vítima do descaso que por anos prevalece nas áreas menos favorecidas. Pirilo, como tantos outros jovens, é filho das ONGS e de projetos mirabolantes e enriquecedores. Fruto do descaso social de uma minoria privilegiada. Como tantos, foi refém de práticas sociais iniciadas para estar na mídia, sem continuidade, sem material humano suficiente e adequado, sem a real preocupação em transformar a realidade que não é única de Pirilo, mas de toda uma sociedade estarrecida e em pânico com a violência. 

É hora do CHEGA para estes projetos com objetivos diferenciados, a hora é de tomada de uma posição real para transformação! E para transformar é preciso que sejam tratados como iguais... é hora do AMOR pelo que se faz!!! 

FAÇAMOS DO DISCURSO NOSSA PRÁTICA DIÁRIA!!!


Se, na verdade, não estou no mundo para simplesmente a ele me adaptar, mas para transformá-lo; se não é possível mudá-lo sem um certo sonho ou projeto de mundo, devo usar toda possibilidade que tenha para não apenas falar de minha utopia, mas participar de práticas com ela coerentes.”
Paulo Freire

Importância da Família


Vou iniciar com um caso bem feliz porque a felicidade contamina e por senti-la, permaneci por 25 anos na função de professora!

Juju era uma menina muito tímida e tranquila. Chegou em uma turma de progressão para concretizar a alfabetização. Como a maioria, conhecia o alfabeto e lia algumas poucas palavras. Não ousava tentar escrever uma frase ou lê-la. Estava, como quase todos, na fase alfabética.
Demorei um pouco a conquistar sua confiança para que conseguisse vencer a timidez. A coloquei bem pertinho de mim e Juju, aos poucos, transformou-se. Apesar das inúmeras dificuldades que tinha ( sempre estava com rendimento menor que o restante da turma ), resolveu acreditar em sua capacidade e tentar. Mas não era simplesmente tentar... Juju fazia tudo novamente inúmeras vezes. Mostrava-me o caderno, lia o texto comigo, eu perguntava sobre as palavras com grafia incorreta, ela as pronunciava e, aos poucos, corrigia seus erros com as novas descobertas.
Aquele final de ano me foi doloroso! Como reter Juju? Ela conquistou muitas etapas!!! Após a certeza de que acompanharia a turma, resolvi que Juju nos acompanharia. Não porque eu decidi, mas porque Juju passou a acreditar em seu potencial e seu crescimento era visível. Conversamos e nos comprometemos a dar o melhor de nós.

Ei! Nem contei sobre a família de Juju. Pois é, Juju morava em uma das comunidades da região com a mãe e com o irmão mais novo. Sua mãe era presente nas reuniões, conversava com Juju para que se esforçasse sempre. Era diarista e analfabeta, sequer escrevia o nome. Envergonhava-se durante as reuniões quando eu passava a ata, já que não sabia assinar e passei a evitar este constrangimento. Em uma das reuniões, feliz, mostrou o desejo de assinar o documento dizendo que Juju a estava ensinando a assinar o nome e que ela, apesar da letra feia, já sabia! A emoção tomou conta de mim e de muitas mães presentes. Elas ganharam tanta confiança que não se importavam com os outros, mas com suas conquistas.

No ano seguinte Juju não me decepcionou. Perdeu bastante o “medo de errar” e sempre queria ler. Levava livros de nossa caixa de empréstimo para casa e sua escrita melhorava consideravelmente. 

Logo no início do ano, veio minha emoção maior. Dificilmente Juju faltava aula e subi com a turma sem ela. Alguns minutos depois, a mesma chegou com a mãe que justificou-me a razão da ausência da filha naquele exato dia. Ela havia conseguido uma faxina para fazer em Copacabana. A diária era melhor mas ela não sabia como chegar lá já que tinha apenas o endereço. Juju precisava ir com ela, e exatamente com suas palavras: _ Agora ela já sabe e vai ler o nome da rua para mim porque eu não sei. É só hoje, depois que ela me levar lá, eu consigo chegar novamente porque eu guardo o caminho.

DEUS! Sem comentários... eu precisaria explicar mais alguma coisa sobre a real função da leitura para estas pessoas?

Exercendo minha função com amor e dedicação, recebi em troca muito amor também, apesar das dificuldades eu sempre disse que nós, educadores nunca temos um dia igual o outro. Cada dia é uma incógnita e as surpresas são constantes. Todas deveriam ser como esta, que me faz chorar a cada vez que relato... e chorar de felicidade é bom demais!!!

Hoje Juju está concluindo o segundo grau sem repetir um ano sequer. Fez um curso de prótese dentária, conciliando-o com os estudos e ficou empregada no local em que fez estágio, onde já trabalha há alguns anos. Ajuda financeiramente sua mãe e pretende ingressar na faculdade.

Não tenho comentários a tecer. Juju sempre teve o apoio da família. Sua mãe dava inteira importância à escola e, com certeza, hoje está totalmente recompensada.


“A competência técnico científica e o rigor de que o professor não deve abrir mão do desenvolvimento do seu trabalho, não são incompatíveis com a amorosidade necessária às relações educativas. Essa postura ajuda a construir o ambiente favorável à produção do conhecimento onde o medo do professor e o mito que se cria em torno da sua pessoa vão sendo desvalados. É preciso aprender a ser coerente. De nada adianta o discurso competente se a ação pedagógica é impermeável à mudanças.”
                                                                                                          Paulo Freire